Jay Rosenblatt Foco

← Toda a Programação

Jay Rosenblatt é um artista de reconhecimento internacional e cineasta nomeado duas vezes para os Óscares da Academia. Realizou mais de 35 filmes onde explora as dimensões emocionais e psicológicas da experiência humana. Os seus filmes são profundamente pessoais, mas têm um apelo universal.

As suas obras foram galardoadas com mais de 100 prémios e exibidas pelo mundo fora. Foi-lhe dedicado um ciclo especial, no Film Forum, em Nova Iorque, que percorreu as salas dos Estados Unidos. Teve ainda um programa de longa-metragem apresentado durante uma semana no Museu de Arte Moderna (MoMA) em Nova Iorque.

Nove dos seus filmes foram selecionados para o Festival de Cinema de Sundance, outros nove para o IDFA (Festival Internacional de Documentário de Amesterdão), e vários foram transmitidos nos canais HBO, PBS e Sundance Channel. O seu trabalho tem sido destacado em publicações como o New York Times (secção Arts & Leisure de domingo), Los Angeles Times e Filmmaker Magazine.

Rosenblatt é bolseiro das fundações Guggenheim, USA Artists e Rockefeller. É membro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas desde 2002, tendo integrado o Comité Executivo da secção de Documentário durante doze anos.

Natural de Nova Iorque, vive há muitos anos em São Francisco. Entre 1989 e 2010, lecionou produção de cinema e vídeo em várias escolas da Bay Area, incluindo a Universidade de Stanford, a San Francisco State University e o San Francisco Art Institute. Durante 15 anos, foi Diretor de Programação do Jewish Film Institute (responsável pelo Festival de Cinema Judaico de São Francisco). Tem um Mestrado em Psicologia da Aconselhamento e, numa vida anterior, trabalhou como terapeuta.

http://www.jayrosenblattfilms.com

http://www.sensesofcinema.com/jay-rosenblatt/

 

 

Beginning Filmmaking
Jay Rosenblatt

Muitas das colagens audiovisuais de Jay Rosenblatt funcionam como exercícios de reconciliação com as próprias experiências de vida do cineasta, frequentemente dolorosas. Por um lado, grande parte da sua obra aborda os traumas específicos de ter crescido numa família judaica em Nova Iorque nos anos 1960, de ter sido ameaçado por agressores e, por vezes, tornar-se ele próprio um agressor, ou de ter perdido o irmão ainda jovem. 

- Jaimie Baron 

The Smell of Burning Ants (1994), por exemplo, centra-se na experiência de ser rapaz no meio violento e ameaçador em que Rosenblatt foi socializado, rodeado de rapazes maiores à procura de qualquer sinal de fraqueza nos pares. King of the Jews (2000), por sua vez, enfatiza a experiência desconcertante de crescer como judeu-americano nas décadas que se seguiram ao Holocausto, sempre consciente da precariedade interminável da vida judaica. Por outro lado, os filmes de Rosenblatt articulam a experiência muito mais ampla de ser uma alma sensível e perspicaz lançada num mundo demasiadas vezes povoado por sádicos – dos tiranos do recreio aos assassinos em massa – onde quase tudo está fora do controlo do indivíduo. Para escavar as ligações entre a sua experiência pessoal única e essas lutas humanas mais universais, Rosenblatt escolheu um caminho muito particular: procurar reflexos da sua própria condição – os seus afins existenciais – no arquivo cinematográfico.

The Smell of Burning Ants (1994)

Jay Rosenblatt

Tal como o psiquismo humano, o arquivo é assombrado. Enquanto repositório vasto, mas devastadoramente incompleto, que contém vestígios escritos, visuais e sonoros do passado, o arquivo é o lugar ideal para Rosenblatt procurar ecos dos seus próprios fantasmas, encontrando-os sobretudo em filmes educativos descartados, filmes industriais e cinejornais. Ao localizar, selecionar, organizar e justapor imagens e sons encontrados com texto e voz-off, Rosenblatt conta as suas próprias histórias de vida – de agredir para não ser agredido, de tentar compreender o antissemitismo, o Holocausto e a morte do irmão – através de rostos e vozes de outros, que depois entrelaça com imagens da sua própria família. Na verdade, os temas subjacentes dos seus filmes são aqueles que quase todos os seres humanos partilham: ter uma família, com todo o amor, raiva e culpa que isso necessariamente implica; a dor de crescer; as experiências de poder e de impotência. No seu complexo trabalho de reapropriação, Rosenblatt entrelaça editorialmente o inconsciente coletivo do arquivo cinematográfico com a sua própria psique. De facto, quando mistura imagens educativas com filmes de 8mm rodados pelos seus pais, o espectador da sua obra pode, por vezes, ter dificuldade em distinguir umas das outras. Não se trata, porém, de uma redução do eu ao outro ou vice-versa; trata-se antes de um ato de retrospeção arquivística – um olhar para trás, para os restos da era cinematográfica, agora no seu ocaso – em busca de afinidade com os mortos e com o público.

King of the Jews (2000)
Jay Rosenblatt

Em alguns dos seus trabalhos mais recentes, Rosenblatt afastou-se da exploração do arquivo público existente para produzir o seu próprio arquivo privado, em particular do nascimento e da infância da sua filha Ella, aplicando depois as suas estratégias de retrospeção arquivística à experiência da paternidade. Até certo ponto, ver estes filmes é como assistir aos mais pessoais filmes de família de um estranho; e mesmo na era do frenético exibicionismo digital em que vivemos, esse ato pode soar voyeurista e intrusivo. Heartbeat (2025), em particular, que recupera do arquivo doméstico de Rosenblatt imagens que ele e a sua esposa e colaboradora Stephanie Rapp produziram enquanto tentavam ter um bebé, pode ser lido como demasiado íntimo, uma sobre-exposição. 
 

Heartbeat (2025)
Jay Rosenblatt

No entanto, é o olhar reflexivo e retrospetivo do filme que o distingue do exibicionismo doméstico hoje tão presente online. Porque as imagens foram registadas há quase um quarto de século, o tempo decorrido transforma essa intimidade num registo de sentimentos vividos há muito, o suficiente para que possam agora significar algo diferente. Essas imagens ansiosas podem ser trabalhadas precisamente graças à distância temporal proporcionada por um meio arquivístico e indexical, e podem, subsequentemente, ser transformadas numa narrativa de uma experiência que outros poderão – pelo menos em parte – reconhecer. Um filme relacionado, How Do You Measure a Year? (2022), é ao mesmo tempo uma série de filmes de família, um documentário longitudinal e uma espécie de experiência estruturalista, em que Rosenblatt faz repetidamente o mesmo conjunto de perguntas à filha no dia do seu aniversário, todos os anos, desde os dois até aos dezoito anos de idade, registando as suas respostas. Por um lado, este registo do crescimento da bela filha de alguém não diz respeito a mais ninguém; por outro lado, porém, pode ser lido como uma imagem cuidadosa e sustentada da passagem do tempo, do crescimento e da transformação tal como se inscrevem no rosto e no corpo da pessoa mais amada. Ao criar um arquivo da sua própria vida familiar, Rosenblatt torna-se um autoetnógrafo retrospetivo, tratando os traumas do seu próprio passado enquanto nos recorda – apesar de tudo – as alegrias de ainda estarmos vivos e de nunca sabermos bem o que virá a seguir. 

 

- Jaimie Baron

How Do You Measure a Year? (2022)
Jay Rosenblatt

 

 

Jaimie Baron

Jaimie Baron é investigadora, editora, curadora e teórica. É autora de The Archive Effect: Found Footage and the Audiovisual Experience of History (Routledge, 2014) e de Reuse, Misuse, Abuse: The Ethics of Audiovisual Appropriation in the Digital Era (Rutgers, 2020), bem como de diversos artigos científicos, capítulos de livros, ensaios e críticas. Fundou e programa o Festival of (In)appropriation, um festival internacional anual dedicado a curtas-metragens experimentais com imagens de arquivo reencontradas (found footage). É também cofundadora e coeditora do Docalogue, um espaço online onde académicos e cineastas dialogam sobre documentário contemporâneo, bem como da coleção editorial associada ao projeto. Coeditou ainda a coletânea Media Ventriloquism: How Audiovisual Technologies Transform the Voice-Body Relation (Oxford, 2021) e coassinou, com Bill Nichols, a 4.ª edição do manual Introduction to Documentary. Anteriormente, foi professora de Estudos de Cinema e Media na University of Alberta. É bolseira Harvard Radcliffe Fellow para o período de 2022–2023 e leciona atualmente na área de Cinema e Media na University of California, Berkeley.

Foco Jay Rosenblatt