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FOCO BEN RUSSELL

Ben Russell

Ben Russell (1976) é um artista, cineasta e curador americano cujo trabalho se situa na interseção entre etnografia e psicadelismo. Os seus filmes e instalações dialogam diretamente com a história da imagem documental, oferecendo uma investigação temporal sobre o transe como fenómeno. Russell foi um dos artistas expositores na documenta 14 (2017) e o seu trabalho foi apresentado no Centre Georges Pompidou, no Museum of Modern Art, na Tate Modern, no Museum of Modern Art Chicago, no Festival de Cinema de Veneza e na Berlinale, entre outros. Recebeu a Bolsa Guggenheim (2008), de um Prémio Internacional da Crítica FIPRESCI (IFFR 2010, Gijón 2017), estreou a sua segunda e terceira longa-metragens no Festival de Cinema de Locarno (2013, 2017) e venceu o Grande Prémio Encounters no Festival de Cinema de Berlim (2024). Os projetos curatoriais incluem Magic Lantern (Providence, EUA, 2005-2007), BEN RUSSELL (Chicago, EUA, 2009-2011), Hallucinations (Atenas, Grécia, 2017) e Double Vision (Marselha, França, 2024-). Atualmente, reside em Marselha, França.

Ben Russell (1976) is an American artist, filmmaker and curator whose work lies at the intersection of ethnography and psychedelia. His films and installations are in direct conversation with the history of the documentary image, providing a time-based inquiry into trance phenomena. Russell was an exhibiting artist at documenta 14 (2017) and his work has been presented at the Centre Georges Pompidou, the Museum of Modern Art, the Tate Modern, the Museum of Modern Art Chicago, the Venice Film Festival and the Berlinale, among others.  He is a recipient of a Guggenheim Fellowship (2008), a FIPRESCI International Critics Prize (IFFR 2010, Gijón 2017), premiered his second and third feature films at the Locarno Film Festival (2013, 2017) and won the Encounters Grand Prize at the Berlinale Film Festival (2024).  Curatorial projects include Magic Lantern (Providence, USA, 2005-2007), BEN RUSSELL (Chicago, USA, 2009-2011), Hallucinations  (Athens, Greece, 2017) and Double Vision (Marseille, France 2024-).  He is currently based in Marseille, France.
 

BEN RUSSELL E O CINEMA COMO UTOPIA


O que o realizador e artista Ben Russell nos propõe com os seus filmes, dos quais poderemos ver uma selecção na presente edição do Festival Family Film Project, são materializações críticas de várias acepções da experiência de viagem, interior e exterior, física e metafórica, real e surreal, tal como o cinema pode veicular.


É assim que nas curtas-metragens da série Trypps, realizadas entre 2005 e 2010, podemos reconhecer todo programa do cinema de Russell, desde logo inscrito e plasmado no seu título, e declinado sob a forma de miniaturas cinematográficas que testam e expandem os limites da experiência e formas do cinema através do cruzamento entre experimentalismo, performance, psicadelismo, etnografia e elementos da história do cinema e seus dispositivos.


Estes filmes tornam explícito o interesse do realizador em explorar o movimento (e não a narração) como dado primeiro do cinema, e reenviam simultaneamente aos seus primórdios, concretamente à linhagem documental e etnográfica, de observação do movimento ‘objectivo’ do mundo, e dos seus habitantes, e à linhagem experimental, atenta às qualidades formais e afectivas dos extremos do movimento do próprio cinema; reenviam também às tendências mais contemporâneas do filme etnográfico e experimental, nas suas vertentes sensoriais e estruturais, como modo de aceder ao movimento interior e subjectivo, i.e., à psique, e, por extensão, à experiência intersubjectiva e intercultural da vida.
O motivo da viagem surge, pois, como forma de unir etnografia e psicadelismo através das poéticas da imagem cinematográfica. Tal traduz-se em investigações formais, destabilizadoras das tradicionais divisões entre documentário e ficção e dos nossos modos e hábitos de ver, que, envolvendo as personagens reais dos filmes, espectadores e realizador, querem desencadear experiências colaborativas, imersivas e colectivas, da ordem do transe, do ritual e do transcendente, para produzir o equivalente de um tratamento especulativo da subjectividade.  A deslocação livre pelo mundo, de Rhode Island ao Suriname, passando pelo Dubai, as Badlands (Trypps, 2005-2010, Let each one go where it may, 2009, He who eats children, 2016), Malta (Atlantis, 2014), Finlândia, Grécia (The invisible mountain, 2021), Marselha (Against Time, 2022), entre outros lugares, e culminando em Notre Dame des Landes, na Zone à Défendre (Direct Action, 2024, co-realizado com Guillaume Cailleau), com uma câmara na mão, é uma maneira de ir ao encontro de outras formas de vida, muitas das quais sub-representadas, e de outros estados psíquicos, e de através do acto, muitas vezes partilhado, de filmar e de assim lhes dar forma, provocar ou esperar provocar de volta uma transformação.


A este propósito, Ben Russell refere, na senda de Trinh T. Minh-Ha, que o documentário, enquanto categoria para designar um material, género, abordagem, série de técnicas de aproximação ao real e ao outro, que se oporia à ficção, não existe, pois estamos sempre perante um ‘tratamento criativo da realidade’. Isto não corresponde a uma refutação da verdade ou da facticidade da imagem, mas prende-se com o facto de haver sempre uma selecção envolvida no processo da sua produção e na decisão de gravar ou registar.


A forma é o conteúdo, ou seja, trata-se sempre de fabricar alguma coisa que só é possível graças ao cinema e é iminentemente uma experiência cinematográfica, ou seja, uma experiência que é também a da imagem, não apenas no sentido reflexivo, mas também em sentido performático e fenomenológico. 


Ao mesmo tempo, representar ou enquadrar significa não fechar, não transformar o outro num objecto de saber. Assim, a tradição do cinema etnográfico como forma objectiva de conhecimento do ‘eu’ através dos outros tem de ser complementada pela ambição, que Russell reconhece no pensamento e nas práticas psicadélicas, de compreensão sensorial e subjectiva de nós mesmos e do mundo. "O resultado é uma dialética simultaneamente incorporada e crítica, na qual os terrores e os prazeres de nos perdermos são equilibrados pela necessidade de saber onde estamos, quem e o que somos, particularmente em relação àqueles que não somos nós.”(Entrevista de Luciana Dumitru a Ben Russell, https://bieff.wordpress.com/2013/12/12/river-rites-interview-with-ben-russell/, consultado em 22 de Agosto de 2024)
O cinema de Ben Russell reinterpreta a abordagem do cine-transe de Jean Rouch, centrando-se na compreensão intuitiva e emocional em vez de no conhecimento etnográfico tradicional. A  sua "etnografia psicadélica" mistura a experiência subjectiva com a análise crítica, visando uma compreensão empática da alteridade através do próprio cinema. Russell aborda a etnografia enquanto artista, secundarizando a sua dimensão disciplinar e científica e dando ênfase aos aspectos experienciais e extáticos dos rituais.


Interessa-lhe explorar a semiótica da espiritualidade e da religiosidade, tal como se manifesta através de signos exteriores, que variam de cultura para cultura, mas que reflectem a mesma necessidade comum e universal de conexão com o transcendente. No entanto, o que procura é registar ou encenar um determinado tipo de experiência para a traduzir numa experiência completamente diferente.  É através da transição do terreno etnográfico para o terreno do cinema que Ben Russell pode pôr em tensão a dupla natureza ritualista dos fenómenos de transe interculturais, ao juntar, por exemplo, o transe da cultura saramacana e as práticas da contracultura americana em que está imerso, bem como o acto de filmar. É assim que, estruturalmente, filmes como Black and White Trypps Number Three (2007) e Trypps #6 (Malobi) (2009) partilham, nas palavras do próprio Russell, não só o transe como experiência comum, mas também a música como catalisador de rituais. Um transe é secular, desencadeado pela música de um concerto dos Lightning Bolt, enquanto o outro é desencadeado pela cerimónia ritual e fúnebre de Adjo. São semelhantes porque nos mostram que a autenticidade do que vemos está duplamente ligada à realidade - as pessoas, as experiências que dão forma ao filme - e à sua mise-en-scène, tornada sensível pela presença de claquetes, movimentos de câmara e flash frames, que obrigam a reposicionarmos-nos não só em relação ao mundo, mas também à própria imagem. 


Por sua vez, filmes como Let Each One Go Where He May (2009), a sua primeira longa-metragem, e He who eats children (2016), ou, por exemplo, Atlantis (2014) e The Invisible Mountain (2021), prolongam a exploração do mesmo paradoxo, na construção de retratos especulativos e alucinatórios, na evocação fictícia ou mítica de uma civilização perdida ou na busca de uma montanha utópica: o que se passa diante da câmara é uma mistura de factos e de encenação, de realidade e representação.


O que devém relevante não é a verdade ou autenticidade da experiência gravada pela câmara, com a sua função diferenciadora de uma dada cultura em relação a outra, mas a própria experiência ritualística do cinema, para além de qualquer mediação ou tradução, num exercício de etnografia subjectiva ou reflexiva.


O cinema surge como esse não lugar especulativo e especular sobre e das subjectividades e da sua produção, que nos devolve a utopia de outras formas de vida possíveis. Através de rituais e de viagens transcendentes de vários tipos, para lá da impenetrabilidade das psiques alheias e dos signos que as deixam adivinhar, o que sobressai é a universalidade de uma sujectividade humana comum, pós-colonial, no sentido de semelhante, para lá das diferenças, no modo como nos devolve uma imagem de nós próprios enquanto outros, por meio do cinema e de como este nos permite engajar num equivalente visceral e fenomenológico do movimento das formas e dos corpos no ecrã.


Condicionados pelos determinismos das nossas vidas, por vezes esquecemo-nos de que não vivemos no melhor dos mundos, e que o mundo se constitui também da potência de outros modos de existência alternativos. A câmara de Russell investiga essas subjectividades alternativas, individuais e colectivas, fazendo-se eco de ressonância no presente das utopias surrealistas, psicadélicas, comunitárias e políticas, através da utopia do próprio cinema:
‘Essa sociedade de humanos que ainda se reúne silenciosamente no escuro, que vive brevemente uma vida colectiva sob uma visão cintilante unificada - e que depois se dispersa, cada indivíduo transformado, e regressa ao seu próprio quotidiano: é o mais próximo de uma sociedade ideal que consigo imaginar. Estou a falar de cinema, claro, e estou cada vez mais convencido de que o cinema é o único local onde a utopia pode ser verdadeiramente realizada. É um não-lugar, um tempo-espaço, um presente que está sempre a chegar e que precisa da nossa presença para existir.’ (Entrevista de Erika Balsom a Ben Russell, sobre Atlantis, https://www.vdrome.org/ben-russell-atlantis/, consultado em 22 de Agosto de 2024)

- Susana Nascimento Duarte

SESSÃO DE CINEMA 1

16 OUT | 21H15 | BATALHA CENTRO DE CINEMA | SALA 1 | 135’

Let Each One Go Where He May

2009 | USA | 135’

"Let Each One Go Where He May é a impressionante estreia em longa-metragem do aclamado cineasta Ben Russell, de Chicago. Tendo sua estreia mundial em Toronto, o filme acompanha a longa jornada de dois irmãos não identificados que partem dos arredores de Paramaribo, no Suriname, em terra e através de corredeiras, passando por uma vila Maroon no Alto Rio Suriname, seguindo a viagem realizada por seus ancestrais, que escaparam da escravidão nas mãos dos holandeses há 300 anos. Filmado quase inteiramente com uma câmara Steadicam de 16mm em treze longas sequências, este retrato cartográfico da cultura Saramaccan contemporânea é uma obra rigorosa e requintada que participa e desconstrói a etnografia tradicional, convidando o anacronismo e a criação de mitos a participar na ousada conflagração histórica do filme." - Andréa Picard, TIFF

PERFORMANCE POR BEN RUSSELL

17 OUT | 21H15 | BATALHA CENTRO DE CINEMA - SALA 1 | 25´

PERFORMANCE POR BEN RUSSELL

CONJURING

Síntese analógica como uma ferramenta de conjuração: Uma montanha surge, um cume invisível aparece. Somos terra e a montanha é terra, e subimos eternamente por um caos de encostas onde a sinestesia é sentimento, o mapeamento é modelagem, o volume (som) é volume (espaço), e a forma de onda é o canto da montanha.

CONVERSA COM BEN RUSSELL

18 OUT | 14H00 | BATALHA CENTRO DE CINEMA - SALA 1 | 40’

Nesta conversa, tomaremos como mote os motivos da viagem e da utopia cinematográfica, caros a Ben Russell,
para falarmos sobre os vários filmes do realizador.
Abordaremos a sua preocupação em unir experimentalismo, psicadelismo e etnografia como forma de interrogar as
dimensões sensoriais e subjectivas do cinema e alargar assim o espectro de mundos possíveis que permite criar
e dar a experienciar. - Susana Nascimento Duarte

 

BIOGRAFIA

Susana Nascimento Duarte é professora adjunta na ESAD.CR, onde coordena o Mestrado em Artes do Som e da Imagem, e investigadora do CineLab, Ifilnova. Doutorou-se em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa.
Tem escrito sobre estética e política do documentário e sobre o cinema como ferramenta arqueológica de crítica da cultura contemporânea. Foi uma das programadoras do Ciclo de encontros O que é o Arquivo?, uma iniciativa da Videoteca do Arquivo Municipal de Lisboa (2017-19). É editora da secção Entrevistas da Cinema: Revista de Filosofia e Imagem em Movimento. Trabalha como realizadora desde 1996.

SESSÃO DE CINEMA 2

18 OUT | 15H00 | BATALHA CENTRO DE CINEMA | SALA 1 | 73’

Atlantis 

2014 | USA / Malta | 23’30’

Há quem diga que a ilha de Malta é um remanescente do continente perdido de Atlântida, uma afirmação contestada que sobrepõe a grandeza mítica de um passado submerso à existência quotidiana de uma sociedade presente. De Platão à ficção científica pulp e ao mar, Atlantis é uma busca por utopia – e uma reflexão sobre o desejo por ela – que documenta simultaneamente o lugar e o não-lugar. (Erika Balsom, Vdrome)

He Who Eats Children 

2016 | USA | 26’

"...e nós, antilhanos, sabemos muito bem que – como dizem nas ilhas – o homem negro tem medo de olhos azuis." - Franz Fanon, Black Skin White Masks
Um retrato especulativo de um holandês a viver na selva do Suriname – a reparar motores de canoa, acusado de comer as crianças locais.

Against Time 

2022 |  France |  23’

"Um poema tonal em azul e vermelho do artista e cineasta experimental norte-americano Ben Russell, Against Time é um tipo de diário cinematográfico visualmente deslumbrante, filmado em vários locais entre 2019 e 2022. Tentando encontrar um caminho através da névoa dos últimos anos, a peça brinca com imagens em dissolução, montagem não linear, síntese modular e uma variedade de técnicas de looping para refletir sobre como experienciamos o tempo como um fenómeno fragmentado. O resultado é um cinema experimental hipnótico e belo que parece espelhar a vida em todas as suas complexidades interpessoais." - Rewire Festival 2023

SESSÃO DE CINEMA 3

18 OUT | 16H30 | BATALHA CENTRO DE CINEMA - SALA 1 | 77’

Black and White Trypps Number One 

2005 | USA |  7’

"Um céu noturno enche-se de luzes cintilantes e pontos brilhantes, marcas superficiais, corpos celestes. É um oceano, um poço, uma tela, um espelho, um portal. Escuridão/vazio atulhado por efémeras crescentes. Profundezas do espaço exterior e interior gradualmente peneiram através de fragmentos de granito e diamantes. A mente corre enquanto o material se torna maior e mais frenético, alcançando um tom quase audível de excitação, agitação e infinitude instantânea que recua a princípio e depois se mantém. Flashes de cor surgem ou são imaginados. Cintilação caótica de meninas camponesas dançando e capacetes de astronauta violentamente torcendo. Camadas de lodo marinho sobre formas de vida ondulantes. Fogueiras e celebração. Explosões, construção. Holocausto. Lodo primordial, civilização moderna. Eras e segundos. Cabeças flutuantes circulam explosões caleidoscópicas de contas brilhantes. Tudo em todo lugar torce, força-se através, transforma-se em, sobrepõe-se a tudo o mais. Conchas, neve, joias, estática, planetas, mitocôndrias, lixo, folhas. Anéis, flores, estrelas, cabelo, fantasmas, cometas, desenhos animados, demônios. Bolhas de gelo instrumentos gatos mármores gravetos vagalumes cataventos insetos crateras. Zumbido. Tonteio..... flfkkkkk#################################################### ################################################ #Excesso. Nascimento/Morte. Momento a momento, simétrico—organizado como geometria, como tapetes muçulmanos, como matemática." - JT Rogstad, The International Exposition (TIE)

Black and White Trypps Number Two 

2006 | USA |  8’

"Ben Russell continua com o seu impulso inicial para a série, a exploração do 'psicadelismo naturalmente derivado', com esta fantasmagoria cadenciada de imagens negativas e espaço negativo. As gavinhas das árvores brancas e afiadas tornam-se artérias ósseas contra o vazio negro do céu. A espinha espiralada de uma árvore maciça colide com um movimento panorâmico de um galho entrelaçado em dois através de um efeito de espelho. A representação transforma-se em abstração à medida que o filme se torna um estudo de densidade e simetria aterradora na floresta da visão. No fim, o arbóreo é deixado para trás enquanto a película se torna numa boca vertiginosa e envolvente.”
-Chris Stults, Viennale 2009

Black and White Trypps Number Three 

2007 | USA | 12’

"...um retrato fílmico de êxtase secular que remete às grandes telas de anunciação de Ticiano Vecelli  e Caravaggio."
– Michael Sicinski, Green Cine Daily
"Esqueçam o experimental, Trypps Number Three é um filme antropológico na sua melhor forma – é um rock and roll Les Maitres Fous."
– Patrick Friel, Senses of Cinema

Black and White Trypps Number Four

2008 | USA | 11’

"Jesus Cristo, olha os brancos, a voltar apressados. Os brancos não se importam, Jack..." - Richard Pryor
Como o Trypp anterior, Number Four é um filme de concerto, mas também é um retorno à palete "historicizada" em preto e branco dos dois primeiros filmes. Como as imagens do concerto são do espetáculo de stand-up de Richard Pryor, o preto e branco no título também se refere à raça. Porém, quase como uma réplica a Trypps Number Two, grande parte das imagens aqui é apresentada numa mancha de tinta Rorschach de imagens negativas e espelhadas, fazendo com que Pryor seja retratado tanto como "branco" tanto como "negro". E através da imagem residual resultante da intensa cintilação, surgem cores que levam, como Russell diz, ao "preto e branco tornando-se uma ficção – não apenas em termos de raça, mas em relação ao próprio material."
- Chris Stults, Viennale Catalogue Essay (2009)

Trypps #5 (Dubai) 

2008 | USA |  3 ’

“Uma câmara radicalmente restrita foi fixada em metade de um letreiro neon em Trypps #5 (Dubai) (2008) de Ben Russell, que exibia as letras "APP" e apenas metade de um "Y" em um pulso errático e descontínuo. Se a menção a Dubai evoca um horizonte cosmopolita, Russell renuncia à possibilidade de ver até mesmo uma única rua. Como Mark McElhatten escreve nas notas do programa, "A felicidade é sempre incompleta," e aqui, em uma crítica que Debord talvez tenha particularmente apreciado, é um letreiro colorido de uma loja que promete tudo, mas não vende nada.”
– Genevie Yu, Reverse Shot

Trypps #6 (Malobi) 

2009 | USA  | 12’

No Suriname, na América do Sul, um homem entra numa residência e surge a usar uma máscara extravagante junto a um grupo de pessoas, todas elas com máscaras diferentes. Um único plano com Steadicam segue estas figuras sobrenaturais e enrugadas enquanto coxeiam lentamente pela aldeia, até que a procissão chega ao centro da aldeia onde decorre uma celebração. De repente, a caravana trôpega irrompe numa dança frenética na selva, como pessoas possuídas. Sabemos que essa dança de transe é encenada para a câmara, mas, ao mesmo tempo, está nitidamente a acontecer. Sabemos que vimos um documentário de algum tipo... mas um documento de quê? Tudo o que se torna claro é que, dentro do documentário, a realidade se transforma em imagem e a realidade se torna coreografia. (Chris Stults)

Trypps #7 (Badlands)

2010 | USA | 12’

"Trypps #7 (Badlands) acompanha, através de um plano longo e íntimo, a viagem de LSD de uma jovem no Parque Nacional Badlands antes de aterrar numa abstração formal psicadélica da vasta paisagem deserta. Preocupado com as noções do sublime romântico, experiência fenomenológica e espiritualismo secular, o trabalho continua a investigação única de Russell sobre as possibilidades do cinema como um local para transcendência."
- Michael Green, Museum of Contemporary Art Chicago

River Rites 

2011 | Suriname | 11’30’’

“Animistas são pessoas que reconhecem que o mundo está cheio de seres, alguns dos quais são humanos e que a vida é sempre vivida em relação com os outros.” – Graham Harvey, Animism
Com este ensaio conceitual, Ben Russell compartilha uma experiência sensível connosco. Mergulhados numa inversão do tempo, testemunhas ativas de um espaço-tempo fictício, a ilusão é habilmente criada. Filmado num único plano, o realizador brinca com a inversão temporal do plano-sequência, na aceleração e desaceleração da imagem, sem que o truque do processo seja imediatamente aparente. Enquanto o artifício é gradualmente revelado, a nossa atenção é habilmente guiada para os corpos, movimentos, sons, música e vozes de línguas não identificáveis, que se entrelaçam numa coreografia hipnótica. - Pascale Paulat, tënk

SESSÃO DE CINEMA 4

18 OUT | 21H15 | BATALHA CENTRO DE CINEMA - SALA 1 | 143’

Good Luck

2017 | France, Germany | 143’ 

Rodado entre uma mina subterrânea de grande escala, de propriedade estatal, no estado devastado pela guerra da Sérvia, e um coletivo de mineração ilegal no calor tropical do Suriname, Good Luck é um retrato visceral de não-ficção sobre esperança e sacrifício em tempos de turbulência económica global.
“Embora grande parte do pensamento contemporâneo prefira manter o trabalho e a arte separados, Good Luck força-os a unir-se sob um terceiro termo ainda mais improvável, o psicodelismo, que por muito tempo foi domínio dos reacionários. Com suas raízes latinas indicando uma visão de pensamento, o psicadélico deve ser entendido como, em pelo menos um sentido, análogo à arte. Ambos contam a sua maior realização como a indução à reflexão. Bebem da tradição surrealista, podemos considerar a imagem psicadélica perfeita como dois espelhos olhando diretamente um para o outro. Essa imagem é uma forma de utopia, sempre aguardando ativação por um sujeito que a deseja, mesmo quando esse sujeito a traz do impossível para o real. O sujeito de Russell aqui é o trabalho; refletir isso tão plenamente é uma realização vital.”  - Phil Coldiron, CinemaScope

MASTERCLASS

19 OUT | 14H30 | BATALHA CENTRO DE CINEMA - SALA 1 | 60´

AGAIN, TIME

Masterclass em inglês


Uma masterclass sobre as diversas naturezas do tempo: como sujeito, como sentimento, como meio, como espaço. No campo da prática de imagens em movimento que abrange mais de duas décadas, a construção relativa que chamamos de tempo tem sido a investigação central do trabalho do cineasta/artista/performer Ben Russell. Desde o tempo animista da selva do Suriname equatorial até o tempo horizontal de um coletivo anarquista no oeste da França, passando pela experiência tátil do Ser, a temporalidade é um veículo pelo qual podemos alcançar uma compreensão transformadora do sujeito, do eu e do público como uma simultaneidade única ao cinema. Tematicamente, esta masterclass pode ser vista como um Diagrama de Venn no qual ativismo, Einstein, etnografia, trabalho, música noise e cinema de transe estão todos igualmente representados.

 

FORMULÁRIO DE INSCRIÇÃO: LINK

SESSÃO DE CINEMA 5

19 OUT | 16H00 | BATALHA CENTRO DE CINEMA - SALA 1 | 213´

Direct Action 

2024 | France, Germany | 213’


Em janeiro de 2018, a construção de um aeroporto em Notre-Dame-des-Landes, uma área rural, foi oficialmente cancelada, pondo fim a anos de resistência liderada por uma das mais importantes comunidades ativistas da França. De 2022 a 2023, os cineastas Guillaume Cailleau e Ben Russell foram até à ZAD (zona a defender) para criar um retrato da vida coletiva nos anos após aquela ação bem-sucedida sem precedentes. O trabalho resultante documenta a transformação de uma luta local num novo movimento de protesto ecológico – culminando na Batalha de Sainte-Soline em março de 2023, onde um ato de ação direta coletiva contra a privatização da água foi novamente enfrentado com a brutalidade da violência estatal.
Os processos de filmagem são compostos por reações químicas com a luz que produzem a imagem na película. É precisamente a partir desse abismo entre o que é filmado e o que é visto que se manifesta o grande poder de DIRECT ACTION por Guillaume Cailleau e Ben Russell. Filmado em S16mm, os cineastas documentam, através de um processo íntimo e imersivo, parte do quotidiano de um importante coletivo de ativistas que ocuparam um território contra a expansão de um aeroporto nos arredores de Paris. O retrato das ações diretas do grupo estende-se a absolutamente todos os aspectos de suas vidas, desde a preparação do pão até uma longa noite de vigília. Ao enaltecer o tempo prolongado em contraste com os processos de vida ultra mecanizados, Cailleau e Russell constroem, através de uma simplicidade flagrante, um retrato profundo de um ativismo que reflete sobre o que se pensa e o que se faz. - Lucas Camargo de Barros, Indielisboa

SESSÃO DE CINEMA 6

19 OUT | 21H15 | BATALHA CENTRO DE CINEMA - SALA 1 | 83’

Sessão de encerramento e entrega de prémios

THE INVISIBLE MOUNTAIN

2021 | USA | 83’


Um retrato alucinatório de um homem a viajar da Finlândia à Grécia em busca do cume utópico descrito no romance "Mont Analogue" de René Daumal, de 1952, uma montanha fictícia a flutuar no mar. Em partes iguais cinema de não-ficção, filme-concerto, road movie e busca espiritual, "The Invisible Mountain" é acompanhado por performances musicais imersivas do trio de guitarra finlandês Olimpia Splendid e do percussionista americano Greg Fox.
“Ben Russell continua o seu caminho e a sua ascensão ao cume com a sua mais recente obra inspirada no Mont Analogue de René Daumal, um texto notável que parece ter sido escrito especialmente para ele. A partir dessa fonte literária, entendemos o que nos é lido: uma busca espiritual e coletiva envolvendo a procura por uma montanha invisível. Russell transpõe isso para seu próprio cinema – condensando todo o poder meditativo na imagem. La Montagne Invisible é um longo Trypps (nome das formas experimentais curtas produzidas por B.R.) reconectando-se com os mistérios da transcendência e dos prazeres psicadélicos. Russell cria uma estrutura que oscila entre uma galeria de retratos (de músicos em digressão) e a deambulação solitária de um homem que parte em busca das fugazes aparições da montanha invisível. A figura esguia é filmada de costas num plano dolly que acompanha os seus passos. Os acordes de abertura de "Come As You Are" do Nirvana levam a uma música do trio de feiticeiras finlandesas Olimpia Splendid, repleta de guitarras arranhadas e camadas de som que tornam os semblantes e as paisagens elásticos. Russell deforma espaço e tempo, usando movimentos deslizantes e circulares ao redor dos rostos que filma. À medida que avança, a personagem atravessa paisagens diversas, no entanto acompanhamos uma jornada imóvel. O “além” está primordialmente na criação do filme, que o diretor habita movendo-se para o outro lado da câmara (com a cumplicidade de Ben Rivers), formando um inesperado tandem com a sua personagem – uma fusão do território imaginário da busca espiritual e a realização do filme. Os maiores desertos e os picos mais altos estão dentro de nós. Encontrá-los requer reconhecer as passagens e as portas. A música é uma dessas portas e as visões alucinatórias de Russell oferecem-nos uma deslumbrante tradução cinematográfica das suas possibilidades perceptíveis. O “mont analogue” de Ben Russell é a música transformada em imagem, o filme analógico da música.” - Claire Lasolle, FIDMarseille 2021