OBSERVAR OS SONS DA LUA E DA ÁGUA. E OS QUE VÊM DE DENTRO

Sónia Carvalho

2024 30 '

Lavar qualquer coisa é um ritual de purificação intemporal. É também um símbolo para a limpeza e purificação do comportamento da psique, bem como, dos ciclos de renovação da vida-morte-vida. Em Observar os sons da lua e da água. E os que vêm de dentro, os gestos performativos de um corpo de mulher que lava e esfrega, orientados pelo arquétipo de Héstia, que personifica a “guardiã da casa”, são aqui subvertidos: em gestos frenéticos e pujantes executados ora com fricções de um corpo que varre o chão, ora, com as roupas que lavam as costas, o vestido que devolve o brilho da lua, a manga de um casaco que esfrega as coxas e a púbis, e, o cabelo que afaga as mãos. Os sons produzidos e amplificados, assemelham-se ao uivar de um lobo, ao ranger dos dentes, ao chiar de uma porta, a par do rufar do adufe e da voz da cantadeira, conduzem uma jornada ritualista — a um mundo abaixo das árvores. “Porque, no território da Baba Yaga há coisas a voar à noite, e que despertam de novo ao raiar da aurora, todas elas intimadas ou convidadas pela natureza instintiva selvagem. Há os ossos dos mortos que ainda falam, e há ventos, destinos e sóis, lua e céu, todos a viverem dentro do seu enorme baú.” Estés, Clarissa Pinkola, “Mulheres que correm com os Lobos: Mitos e Histórias do Arquétipo da Mulher Selvagem”, Editora Marcador, Barcarena, 2016, p. 120.

biografia

Sónia Carvalho (1978, PT). Artista plástica, professora, investigadora [ID+ (UA/DeCA) e CIEBA]. Doutora em Belas-Artes, especialidade de Pintura, pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, com bolsa de investigação pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Mestre em Desenho e Técnicas de Impressão pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Licenciada em Artes Plásticas pela Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha do Instituto Politécnico de Leiria. Sónia Carvalho desenvolve uma prática transdisciplinar, da performance ao vídeo, da meditação à pintura, centrada na pesquisa da represent(ação) do corpo e do rito e no estudo dos símbolos e arquétipos do universo espiritual feminino, no contexto da arte e cultura contemporâneas (nomeadamente, na interação entre arte e tecnologia – para a criação da imagem e imagens em movimento). Artista representada pela galeria de arte contemporânea Zet Gallery, UmbigoLab magazine e ANAMNESE. Artista galardoada, destacando-se com o prémio de aquisição da XXII Bienal de Arte de Cerveira, 2022. Expõe o seu trabalho desde 2002, com obra plástica em várias coleções portuguesas, incluindo a Fundação PLMJ e a Fundação Bienal de Cerveira.

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