DESLOCAÇÕES DA INTIMIDADE
CONFERÊNCIA
A conferência dedicada ao tema das “Deslocações da Intimidade” decorreu no dia 15 de Novembro de 2014 no Salão Nobre do Teatro Municipal Rivoli, marcando o encerramento da 3ª edição do festival de cinema Family Fiction Film Project.
Contou com a presença de Catarina Simão, Diogo Aguiar (Like Arquitects), Filipe Martins (ESMAE), Jean-Martin Rabot (UM), Jorge Leandro Rosa (IF) e Gabriela Vaz Pinheiro (FBAUP).
AS COMUNICAÇÕES E OS ORADORES
Nota de introdução, por FILIPE MARTINS (moderador)
“Uma das palavras de ordem para sintetizar o espírito do festival Family Fiction Film Project é a «intimidade». A família é mesmo isso, um recinto da intimidade, e é nesse sentido mais amplo que ela deve ser aqui apropriada. O familiar é o que não é estranho, o que está do lado de cá, que se torna próprio, identitário, contra a alteridade ou mesmo contra a publicidade.
Do ponto de vista propriamente estético, uma das grandes dificuldades, ou mesmo a dificuldade por excelência, estará em expor essa intimidade sem a destruir ou contradizer. Como tornar público o íntimo, eis uma questão paradoxal que a arte tenha continuamente resolver. É esse também o grande desafio que este festival tem vindo a propor à sua maneira. E estamos convencidos de que, em geral, foi um desafio bem ultrapassado pelos filmes selecionados este ano. Há realmente um nicho cinematográfico riquíssimo que foge às convenções do género ficcional, documental ou mesmo experimental, para captar a intimidade a partir de dentro sem a trair. A intimidade em bruto.
Mas a intimidade é de facto uma noção esquiva. Só nos damos conta dela a partir de uma perspetiva exterior, como quando sentimos assédio ou pudor. A intimidade depende da sua própria infração, e é nesse jogo que se dão as suas contantes deslocações. A intimidade é sempre uma confrontação com a intimidade. O objetivo desta conferência consiste pois em propor um olhar atento sobre esse jogo, e por diferentes ângulos”.
Filipe Martins é realizador, professor de cinema e investigador na área das ciências da comunicação. Atualmente desenvolve pós-doutoramento na especialidade de Comunicação e Arte pela Universidade do Minho (CECS). Licenciado em Arte e Comunicação (ESAP), mestre em Cultura Contemporânea (UNL) e doutorado na especialidade de Semiótica Social (UM). Participou em conferências e congressos académicos em Ciências da Comunicação e Filosofia, com intervenções na área da Semiologia e Estética. Tem realizado vários trabalhos de ficção e vídeo-dança em associação com o Balleteatro, tendo sido selecionados em festivais internacionais de diversos países (Espanha, França, Itália, Holanda, Bélgica, Argentina, Brasil, Estados Unidos, etc.). Recebeu o prémio de melhor realizador com o filme “Untraceable Patterns“ (InShadow 2012). Leciona ou lecionou durante vários anos no Balleteatro, na Escola Superior Artística do Porto (ESAP) e na Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo (ESMAE), em áreas ligadas ao argumento, realização, interpretação e pós-produção cinematográfica. Co-dirige o festival de cinema FFFilm Project, que soma já três edições.
Amador - militante: a redação da luta no texto não expresso, por CATARINA SIMÃO
Catarina Simão vive em Lisboa e é artista. Tem um percurso construído sobre a prática de investigação que envolve processos colaborativos e diferentes formas de apresentação ao público. O seu trabalho mais conhecido são as propostas de instalação-ensaio, onde utiliza documentação, filmes de arquivo, escrita, desenho e vídeo relacionados com a cinematografia Moçambicana produzida durante os anos de luta e nos primeiros anos da independência sobre a ocupação colonial. Mostrou o seu trabalho no Museu de Serralves, Biennial Manifesta 8, Africa.cont e em outras instituições artísticas na Europa, em Moçambique, EUA e Líbano. Mozambique Institute é o seu mais recente trabalho envolvendo cinema e pedagogia, e integra atualmente a exposição Really Useful Knowledge apresentado no Museu Reina Sofia, em Madrid.
Profissão: Repórter, por DIOGO AGUIAR
Com o objetivo de desenvolver investigação de forma a produzir conteúdos para o Jornal Homeland, que seria distribuído em Veneza, tornamo-nos repórteres da nossa própria cidade. Durante trinta dias, habitámos um antigo banco no centro do Porto: número 66-68 da Avenida dos Aliados. Ao invés de observar à distância e de teorizar sobre as formas como a cidade pode acolher habitantes em trânsito, escolhemos tornarmo-nos nós próprios habitantes transitórios da cidade: experimentar a cidade a partir de dentro, encenando e incorporando a própria condição a ser investigada. Ao longo dos trinta dias, fizemos um programa intensivo de eventos abertos ao público em que convidámos residentes, proprietários, arquitetos, políticos, sociólogos e técnicos de várias áreas disciplinares, para debaterem connosco esta problemática. O projeto tornou-se numa plataforma de discussão editorial, uma investigação jornalística aberta e plural, em que os conteúdos eram gerados em colaboração com os vários intervenientes. Atuamos simultaneamente como repórteres e reportados, infiltrados e expostos, na tentativa de descortinar a realidade da habitação transitória no Porto e indagar como poderá a cidade contemporânea, em que fluem estes trânsitos habitacionais, oferecer novos léxicos de hospitalidade.
Diogo Aguiar (Porto, 1983) Arquiteto, licenciado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto em 2008. Colaborou com os UNStudio em Amesterdão. É, desde 2010, cofundador dos LIKEarchitects, colectivo sediado no Porto e internacionalmente reconhecido com os prémios Archdaily Building of the Year 2010, International Space Design Award (China) e Minsk International Biennale of Young Architects (Bielorrúsia) e as nomeações para o Detail Prize 2011(Alemanha) e os Prémis FAD 2013 (Espanha), entre outros. A título individual, é ainda co-autor do Eco-Resort Pedras Salgadas, construído em 2012, e premiado com o Archdaily Building of the Year 2012. Recentemente, integrou a representação oficial portuguesa na Bienal de Arquitetura de Veneza de 2014, comissariada pelo arquiteto Pedro Campos Costa.
A encenação da intimidade nos reality shows: do panóptico à Aisthesis, por JEAN-MARTIN RABOT
Jean-Martin Rabot é Professor Auxiliar do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho. Doutorou-se em Sociologia, na área de conhecimento de Teorias e metodologias fundamentais, em 2005. Ensina na área das Teorias sociológicas, da Sociologia da cultura, da Sociologia da arte, comunicação e média e tem desenvolvido trabalho de investigação no domínio da sociologia do quotidiano e do imaginário, da sociologia da pós-modernidade e da sociologia dos média interativos. Participou em vários projetos de investigação, em vários corpos editoriais e na organização de vários eventos internacionais.
O íntimo, avesso do mundo, por JORGE LEANDRO ROSA
A intimidade foi tomada como um adquirido que as sociedades deveriam proteger. Se existimos como seres humanos, tê-la-emos em nós, pequeno tesouro que não deve ser exposto ao mundo. Mas todo o tesouro pede para ser exposto. Associado à intimidade está o direito de escolher as modalidades dessa exposição. Entre essas tendências opostas do íntimo – resguardar e mostrar – passa a nossa (in)compreensão do que o íntimo seja, passa o segredo íntimo da vida. A afirmação da intimidade não corresponde a um conhecimento mais próximo dela. Não nos aproximámos mais, nesta cidadania moderna da intimidade, do que ela possa ser. Em contrapartida, muito podemos dizer da privacidade e do seu paradoxo: se tudo é privatizado nos modelos sociais, jurídicos e políticos contemporâneos, alastra essa clandestinidade do íntimo que nos relembra a necessidade de voltarmos a pensar as relações entre a vida no mundo e a vida íntima. Daí que toda a explicitação de que o privado se reveste esteja hoje assente numa existência que parece ter perdido de vista os movimentos contraditórios e paradoxais do mundo íntimo.
Jorge Leandro Rosa é investigador integrado no Instituto de Filosofia da Universidade do Porto (APARG), sendo, igualmente, professor do ensino superior. Doutorado na especialidade de Comunicação e Cultura, faz investigação teórica nos domínios da Ontologia, da Estética e da Teoria da Cultura, com diversas publicações. Publicou, para além de outros títulos, A Impossível Experiência Final da Modernidade, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. É autor regular de artigos e ensaios em publicações nacionais e estrangeiras, traduzindo também filósofos e pensadores contemporâneos. Tendo sido colaborador dos jornais Público e O Independente, é atualmente co-editor da revista Nada.
Entre o privado e o público, ou o deslocamento de memória, por GABRIELA VAZ-PINHEIRO
As condições gerais das formas em que as imagens circulam hoje devem gerar uma nova consciência das transferências entre as esferas públicas e privadas. Não que os limites entre ambos tenha sido diluído, mas, sim, temos uma noção mais clara de onde estamos a operar. Fotografias de família como um dispositivo de memória tornaram-se referências em práticas mais amplas de procura. Eles tornam-se acessíveis a públicos desconhecidos, mesmo se nós acreditamos que somos capazes de controlar o acesso a eles. Como, portanto, poderemos nós controlar a nossa história pessoal (ou histórias) se raramente estamos conscientes por onde foram disseminadas e por quem eles são visionadas e, em última instância, usadas? Como terá a tecnologia e a nova condição da imagem mudado o “álbum de família”? Sempre soubemos que as imagens pessoais fabricam o nosso passado. Mas será que fabricam o nosso futuro (s)? Finalmente, como é que estamos cientes das implicações políticas da esfera pública na esfera privada e das nossas histórias pessoais? Esta apresentação irá tentar atualizar uma reflexão sobre estas questões, com base no trabalho de alguns artistas e algum pensamento crítico que têm contribuído para gerar uma discussão sobre os assuntos, mesmo antes do impacto do processo de disseminação posto em movimento pela tecnologia.
Gabriela Vaz-Pinheiro é formada em Escultura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, possui o Mestrado Europeu em Cenografia pelo Central St. Martins College e Utrecht School of the Arts, Mestrado em Teoria e Prática da Arte Pública e Design pelo Chelsea College of Art & Design, e Doutoramento por projeto pelo Chelsea College, com a tese: “Art from place: the expression of cultural memory in the urban environment and in place-specific art interventions”. Foi professor convidado na Central St. Martins College of Art & Design, em Londres, entre 1998 e 2006. Recebeu bolsas de estudo da Fundação Calouste Gulbenkian, Ministério da Cultura, da Contemporary Art Society e do The London Institute, bem como o apoio da Direcção Geral das Artes / Instituto das Artes, realizando trabalho que refecte sobre questões identitárias e contextuais, utilizando a produção artística como forma de interrogar a própria noção de indivíduo. Colaborou com o Institute of Contemporary Arts em Londres durante cerca de dois anos, incluindo na organização de conferências como “Spaced Out” em torno da ideia de interdisciplinaridade entre arte e arquitectura. Tem tido envolvimento contínuo em seminários interdisciplinares e publica em revistas nacionais e internacionais de arte e de pesquisa sobre arte. O seu trabalho editorial também tem sido contínuo, com múltiplo livros publicados e textos em catálogos. Responsável pelo Programa de Arte e Arquitectura para Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura, ensina, desde 2004, na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, onde dirige o Mestrado em Arte e Design para o Espaço Público, bem como colabora regularmente com várias outras instituições académicas.
[Nota: Jorge Campos (ESMAE) e Maria Augusta Babo (UNL), que também eram esperados na conferência, não puderam comparecer por motivos diversos].