ESPAÇO DA INTIMIDADE: A FICÇÃO E A MEMÓRIA
Esta edição reúne dez anos de performances e ciclos que integraram o programa do Festival Internacional de Cinema dedicado ao arquivo, memória e etnografia – Family Film Project.
Todos os projetos artísticos tiveram por base as temáticas problematizadas e exploradas artisticamente pelo festival. Na maioria das propostas, os artistas foram desafiados a explorar performativamente materiais de arquivo, pessoais ou não, ou de problematizações sobre a memória. O objetivo era apresentar objetos performativos nas suas valências expandidas: interdisciplinares, deslocações espaciais, deslocações temáticas.Para trabalhar essas valências, diversos foram os formatos escolhidos pelos artistas que variaram entre o filme-concerto, a instalação, a performance ou a música.
Quando centradas nas biografias, é possível, em algumas das peças, perceberem-se valências performativas e documentais na composição do “eu”. A biografia revela-se como uma paisagem em movimento, um ato poético, uma imagem que se dá ao outro, ao mesmo tempo que se deixa emergir no território imperfeito do “eu”. Noutras peças, onde se explora o espaço a que chamamos de intimidade, percebe-se o que trespassa a esfera do invisível, ou escondido, para se projetar como testemunho ou posicionamento político ou social. Independentemente do ponto de partida, ao navegarmos por estas obras, somos lançados a novos problemas e novas formas de entender as intimidades e as familiaridades. Neste conjunto de peças, atravessam-se disciplinas e fronteiras ao mesmo tempo que se projetam possibilidades criativas que reforçam a fina linha entre o real e o performativo.
Apesar de serem muito distintas estas propostas artísticas, permitem, no seu conjunto, dar visibilidade a poéticas criativas, e elucidativas, sobre a esfera e o lugar da intimidade, sobre o familiar e das suas implicações políticas, sobre ligações entre de estéticas e éticas.
Dedicamos esta edição ao filósofo Mario Perniola com quem tivemos oportunidade de colaborar por diversas ocasiões e que, infelizmente, faleceu em 2018. Perniola cujo pensamento reflete sobre fenómenos da experiência contemporânea, um pensamento que reserva para a arte a resistência ao institucional ao mesmo tempo que reflete sobre o sentir impessoal - o descentrar do pensar e do sentir de um “eu” cartesiano. O filósofo continua e continuará a inspirar os artistas.
Agradecemos a colaboração de todos os artistas que deram o seu contributo fundamental a este projeto onde se cruzam sons, textos, imagens e objetos com a corporalidade e a voz, deixando-nos vivenciar e ficcionar os seus concertos, os seus poemas à vida, as suas anti-biografias, os seus relatos, os seus sabores ou as suas metamorfoses. Obrigado: Alexandre Soares, Alex Faoro, Anna Kryvenko, António Olaio, Aurora Pinho, Beatriz Albuquerque, Cesário Alves, Cristina Mateus, Flávio Rodrigues, Flora Détraz, Gabriela Vaz-Pinheiro, Guglielmo Trupia, Gustavo Costa, Haarvöl, Hassan Pitts, Helena Deda, Henrique Fernandes, Home Movies, Hugo Mesquita, Isabel Barros, Jennida Chase, Joana Craveiro, Joclécio Azevedo, Jorge Gonçalves, José Carlos Teixeira, Leonardo Moro, Luciana Fina, Mara Andrade, Marianne Baillot, Marika Pensa, Mario Perniola, Miguel Bonneville, Muriel Hasbun, Rebecca Moradalizadeh, Rita Tse, Rui Reininho, Sietse Van Erve, Susana Chiocca, Tânia Dinis.